Após discordar sobre o Brexit, irmão de Boris Johnson se demite
LONDRES – Alegando divergências irreconciliáveis entre a lealdade à família e o interesse nacional, Jo Johnson, irmão do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pediu nesta quinta-feira, 5, demissão do cargo que ocupava no governo e de seu mandato como deputado do Reino Unido.
No governo do irmão, ele ocupava o cargo de ministro de Negócios, Energia e Indústria Estratégica, uma nomeação polêmica feita por Johnson, por rumores de nepotismo. Antes, já havia passado por governos de David Cameron (ministro das Universidades e da Ciência) e de Theresa May (ministro dos Transportes).
A decisão de Jo Johnson deixou em choque o Partido Conservador e abalou o primeiro-ministro, que visitava uma academia de polícia em West Yorkshire. O anúncio ofuscou o evento que deveria marcar o início de uma campanha eleitoral do partido, à medida que o país parece caminhar cada vez mais para uma eleição.
“Foi uma honra representar (o círculo eleitoral de) Orpington durante nove anos e servir como secretário de Estado sob a liderança de três primeiros-ministros”, escreveu Jo Johnson em sua conta no Twitter. “É uma tensão impossível de resolver e é tempo para outros assumirem os meus lugares como deputado e secretário de Estado.”
Ele assinou: “#overandout”.
It’s been an honour to represent Orpington for 9 years & to serve as a minister under three PMs. In recent weeks I’ve been torn between family loyalty and the national interest – it’s an unresolvable tension & time for others to take on my roles as MP & Minister. #overandout — Jo Johnson (@JoJohnsonUK) September 5, 2019
Johnson, que definiu o irmão como um ministro brilhante e talentoso e um parlamentar fantástico, disse em seu discurso que nada abalaria sua convicção de separar o Reino Unido da União Europeia e preferia “morrer em uma trincheira” a pedir o adiamento do Brexit.
Após tirar a maioria de Johnson no Parlamento, a oposição conseguiu aprovar uma lei, na terça-feira, que obriga o governo a pedir um adiamento para o Brexit – previsto para 31 de outubro – se não conseguir um acordo com Bruxelas nas próximas semanas.
A decisão de Jo foi anunciada em uma semana difícil para o premiê que, desde que assumiu o cargo, em julho, tem tentado domar o Partido Conservador com quem trava uma disputa aberta sobre uma estratégia para o Brexit. Johnson chegou ao poder alegando que os britânicos deixarão a UE, com ou sem acordo, em 31 de outubro.
Na terça-feira, ele expulsou 21 parlamentares de seu partido por se recusarem a apoiar sua estratégia. Entre eles, o neto de Winston Churchill, seu ídolo, e dois ex-ministros.
Segundo o jornal britânico The Guardian, o governo parece estar cada vez mais perdendo o controle do cronograma da saída, com Johnson incapaz de articular uma reação, caso os trabalhistas rejeitem novamente – como fizeram na terça-feira – a proposta de antecipação de eleições que será apresentada novamente na segunda-feira. Segundo o jornal, o discurso na academia, “desmedido e incoerente”, foi prova disso.
A renúncia de Jo Johnson também deve dar munição ao Partido Trabalhista para mais ataques contra o governo. “Boris Johnson impôs uma ameaça que fez com que nem mesmo seu irmão confiasse nele”, disse a deputada trabalhista Angela Rayner.
A demissão também ocorre em meio a várias renúncias de membros do Partido Conservador que integram o governo – todos citando divisões no partido. Caroline Spelman, ex-presidente da legenda que se rebelou contra o governo na quarta-feira, disse que não poderia continuar no Parlamento apoiando uma saída sem acordo tendo consciência sobre o que acontecerá aos empregos dos britânicos.
Ex-banqueiro de investimentos e jornalista, Jo Johnson, de 43 anos, também havia se demitido do governo em novembro de 2018 por divergências com relação à condução da saída do Reino Unido da UE.
Se o premiê enfrenta fortes divisões no país e no próprio partido sobre o Brexit, na sua família não é diferente. Mais novo dos quatro irmãos Johnson, Jo chegou a fazer campanha contra o Brexit (e, portanto, contra o irmão), mas mudou de ideia. Nas últimas semanas, porém, ele demonstrou diversas vezes insatisfação com a perspectiva de um Brexit sem acordo.
Em um perfil sobre a família publicado em julho, o jornal New York Times afirma que os Johnsons, diante da ascensão ao poder de Boris, passaram a adotar a abordagem de que o sangue é mais importante do que a convicção política.
O jornal lembra, por exemplo, que a irmã, Rachel, de 53 anos, colunista, novelista e apresentadora de talk-show, concorreu, sem sucesso, às últimas eleições para o Parlamento Europeu em uma plataforma que defendia a permanência do Reino Unido no bloco.
O patriarca, Stanley Johnson, é um europeísta de 78 anos que se opôs ao Brexit, mas passou a apoiá-lo ao lado do filho. Outro irmão, Leo, de 51 anos, apresentador da rádio BBC, não gosta de falar em público sobre suas divergências com o irmão premiê. Segundo o jornal, em privado, os debates sobre o Brexit têm causado todo tipo de dificuldade na família. Em público, porém, todos concordam que o melhor é apoiar o primeiro-ministro.
Fonte: Estadão