Consequências do caso Queiroz no governo Bolsonaro
É cedo para avaliar a consequência política do escândalo das “rachadinhas”, mas é impossível para Bolsonaro desviar do impacto do caso em sua imagem e em suas pretensões eleitorais.
A conta do Queiroz chegou logo antes do Natal. É de R$ 2,3 milhões e, por mais que o presidente Jair Bolsonaro afirme não ter “nada a ver com isso”, será impossível evitar o baque em sua imagem provocado por uma investigação contra seu filho Flávio Bolsonaro por lavagem de dinheiro.
As explicações de Flávio têm a consistência de um chocolate deixado ao Sol numa tarde de verão. Sua defesa alega que houve quebra ilegal do sigilo bancário pelo então Coaf. Flávio nega a prática de “rachadinha” em seu gabinete quando deputado estadual na Assembleia Legistlativa do Rio de Janeiro (Alerj). Afirma que os depósitos em dinheiro vivo na conta de seu ex-assessor Fabrício Queiroz foram feitos por familiares. Diz, ainda, ter obtido lucro de mais de R$ 800 mil na venda de dois imóveis em Copacabana comprados por R$ 310 mil.
Os argumentos de Flávio não resistem ao trabalho minucioso realizado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE-RJ). Os promotores identificaram 13 assessores acusados de repassar parte de seus salários a Queiroz, entre eles a mulher do chefe da milícia conhecida como Escritório do Crime, Adriano Nóbrega, funcionária por mais de dez anos no gabinete de Flávio.
Ao todo, a investigação identificou 483 depósitos dos funcionários em contas de Queiroz, somando R$ 2 milhões. “Fabrício Queiroz não agiu sem conhecimento de seus superiores hierárquicos, afirmam os promotores. “Ele próprio alegou em sua defesa que retinha os contracheques para prestar contas a terceiros.”
De acordo com o MPE-RJ, o dinheiro foi lavado de várias formas. Primeiro, na transação imobiliária que já era conhecida e que Flávio nunca explicou a contento. Segundo, em transferências da conta de um PM amigo de Flávio (ele alega se tratar de pagamento de um empréstimo). Terceiro, por meio de depósitos na conta de uma loja de chocolates de Flávio no Shopping Via Parque, na Barra da Tijuca.
Num período entre novembro e dezembro de 2015, quando era depositada uma parcela do décimo-terceiro salário dos funcionários da Alerj, os depósitos em dinheiro na conta da loja corresponderam a 92% do total. Na Páscoa, quando a venda costuma crescer, a apenas 20%.
Ao conferir os depósitos com uma auditoria dos fiscais do shopping para calcular o aluguel, os promotores identificaram uma discrepância de R$ 1,6 milhão, ou 25% do faturamento. Pelos cálculos deles, os depósitos em dinheiro vivo corresponderam a 38% dos pagamentos em cartão no período analisado. Entre 2015 e 2017, a 42%.
“É óbvio energúmenos”, disse Flávio ao reagir. “É um comércio. As pessoas pagam com dinheiro também. A gente recebe em dinheiro, depois deposita na conta da loja. Qual o problema? O que tem de ilegal nisso?” Caberá à Justiça julgar se as evidências são suficientes para configurar lavagem de dinheiro. A apuração do MPE-RJ parece apenas confirmar todas as suspeitas sobre o caso e explicar por que Flávio e seu pai fizeram tanto esforço para deter a investigação.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, chegou a paralisar por meses quase mil investigações que derivavam de relatórios do Coaf a pedido da defesa de Flávio. Foi só o plenário do Supremo lliberá-las para, em questão de semanas, os procuradores começarem a confirmar as suspeitas de “rachadinha”.
É cedo ainda para avaliar o impacto político do caso. Mas, como diria o próprio Flávio, óbvio que não será pequeno. Bolsonaro foi eleito graças ao discurso de combate à corrupção. Fez questão de pôr no ministério da Justiça o rosto da Operação Lava Jato. Seus partidários sempre repetem que ele é honesto e escapou ileso da enxurrada de investigações que devastaram os principais partidos brasileiros.
Por quanto tempo essa imagem resistirá? O filho não é o pai, mas Queiroz sempre foi ligado ao segundo mais que ao primeiro. Se quiser mesmo comprovar que “nada tem a ver com isso”, Bolsonaro é o primeiro interessado em que as investigações vasculhem até o fim a vida financeira de Flávio, Queiroz e todos os assessores envolvidos.
Bolsonaro ainda mantém um apoio estável de pouco menos de um terço do eleitorado. Mas lavagem de dinheiro e “rachadinha” são temas bem diferentes das batalhas culturais com que irrita os críticos e mantém a tropa animada. Corrupção é coisa séria mesmo para seus seguidores mais fieis. Qualquer passo em falso poderá ser fatal para suas pretensões e seu projeto de poder.
Fonte: G1