Jovem encara rotina de estudos em casa sem energia elétrica e tira 980 na redação do Enem
Jovem encara rotina de estudos em casa sem energia elétrica e tira 980 na redação do Enem
Foi então que em julho do ano passado uma amiga emprestou uma casa simples para que ele pudesse estudar. Porém, o local não tinha energia elétrica e ventilação adequada. No novo local de estudos, também não havia internet. Ele precisou assinar um pacote de internet pelo celular.
“Por um tempo, pensei em desistir. Para estudar tem que ter silêncio, era muito complicado estudar em casa, por causa do barulho. Uma amiga aqui do bairro me emprestou essa casa, que estava sem ninguém. Porém, não tinha energia, era uma casa bem simples”, conta.
“Comprei uma cadeira, uma mesa e estudava lá pela tarde. Lá só tinha água, não tinha energia e a ventilação não era boa. Quando eu ia pra ‘casinha’, usava os dados móveis. Tinha que usar pouco para não acabar”, disse.
“Fui o primeiro da família a entrar na faculdade na época, na Uefs, depois de três vestibulares. Em dois anos tinha estabilidade, fazia parte de núcleos de pesquisa, pensava fazer mestrado em enfermagem. Porém, quando comecei o estágio, vi que não era aquilo que eu queria, mas a enfermagem foi uma experiência extraordinária. Minha mãe quase me matou. Mãe doméstica e pai pedreiro. Para eles, largar uma faculdade pública foi muito complicado”, relembra.
O desejo de trancar enfermagem e focar em medicina surgiu dentro da própria casa. Um dos irmãos de Matheus teve sequelas após contrair meningite e precisa de cuidados médicos desde então.
“Escolhi medicina porque tenho interesse no corpo humano, mas o motivo maior é o meu irmão. Ele teve sequelas de meningite meningocócica, e esse foi um dos motivos maiores. Acordei um dia e pensei: ‘posso fazer mais’”, lembra.
Preparação para a prova
Para o Enem, Matheus estudou sozinho, cerca de seis horas por dia, de segunda a sexta, e também nos finais de semana, por meio de apostilas e videoaulas online.
“Estudava das 13h até as 17h. Ficava até essa hora por falta de energia, mas quando eu estava muito empolgado, ligava a lanterna do celular e estudava até as sete da noite”, conta.
Há cerca de dois anos, ele passou a dar aulas de reforço escolar para pessoas do próprio bairro, para gerar renda e pagar as apostilas e plataformas de preparação para o Enem.
“Dava aula de reforço no bairro, se tivesse alguém com dificuldade em biologia, história, ou redação. Eu cobrava barato, no mês todo, cobrava R$ 50, um valor simbólico mesmo, para ajudar a pagar cursos online e materiais que precisava. Algumas pessoas não tinham poder aquisitivo porque o bairro onde moro é bem simples, aí eu nem cobrava nada”, disse.
Com a pandemia dando sinais de que não iria passar, o jovem passou a estudar de máscara, mesmo sozinho na casa emprestada, para simular o cenário encontrado pelos candidatos no dia da realização da prova.
“A maior dificuldade foi manter a concentração, porque a temperatura era muito quente. Tinha que fechar a janela e a porta da frente para não entrar barulho. Quando vi que a pandemia não iria passar, comecei a estudar com máscara”, disse ao G1.
“Estudar com máscara, em um lugar quente, sem ventilador e energia, era absurdo. Só podia estudar com a luz do dia. De vez em quando, para fazer alguma questão, ligava a lanterna do celular e estudava”, conta.
Para se preparar para a redação no Enem 2020, no qual o tema foi “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”, Matheus fez cerca de 50 redações no ano passado, sobre diversos temas. Além disso, pra aumentar o repertório de conhecimento, ele conta que assistiu filmes e documentários.
“Assistia filmes, documentários, via notícias, e tudo que era interessante eu anotava. Ficava sempre anotando palavras, citações no meu caderno. Escrevi sobre tudo, várias temáticas”, afirma. Na redação que tirou 980 no Enem de 2020, ele citou autores como o filósofo polonês Zygmunt Bauman e a filósofa alemã Hannah Arendt.
Apesar de toda preparação e do bom resultado na redação, Matheus conta que a prova do Enem 2020 foi mais difícil que em outros anos, principalmente para alunos de escola pública.
“Devido à pandemia, achei que a prova seria mais tranquila, mas foi no nível um pouco alto. Acredito que um aluno de escola pública, que está no 3º ano, para fazer essa prova, não consegue de forma alguma. Achei uma prova desleal com o aluno de escola pública”, relata.
Fonte: G1 Bahia