A conversa que pode levar ao impeachment de Trump

 

A Casa Branca divulgou nesta quarta-feira, 25, uma transcrição aproximada da conversa por telefone no dia 25 de julho entre os presidentes dos EUA, Donald Trump, e Ucrânia, Volodmir Zelenski.

 

Estes são os principais pontos do documento que devem ser levados em consideração:

1 – Não há uma menção explícita a uma troca de favores

A ideia de que Trump divulgaria um documento que o mostrasse envolvido em um acordo explícito de troca de favores com um governo estrangeiro sempre foi irreal, mas vale ressaltar: não há um pedido explícito de ajuda feito pelo republicano na transcrição.

 

2 – Trump menciona que os EUA são ‘muito, muito bons para a Ucrânia’

Os relatos sugeriam que Trump conversou com Zelenski sobre a investigação de Biden, mas que não havia uma contrapartida explícita – e que Trump não mencionou que ele estava retendo centenas de milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia.

Mas o documento indica que Trump fez questão, bem no começo da ligação, de dizer a Zelenski o quão bom os Estados Unidos são para a Ucrânia. “Vou dizer que fazemos muito pela Ucrânia”, diz Trump. “Nós gastamos muito esforço e muito tempo.”

Em seguida, Trump diz duas vezes que os EUA foram “muito, muito bons para a Ucrânia” e sugere que a Ucrânia não estava cumprindo sua parte no acordo.

“Os Estados Unidos têm sido muito, muito bons para a Ucrânia”, diz Trump. “Eu não diria que é recíproco necessariamente porque coisas que não são boas estão acontecendo, mas os EUA têm sido muito, muito bons para a Ucrânia”.

Isso é significativo porque, mesmo na ausência de um pedido de contrapartida, Zelenski poderia acreditar que a ajuda ou alguma outra forma de assistência estava ligada às suas decisões. O comentário de Trump de que o relacionamento não é “recíproco” também sugere que a Ucrânia não está fazendo o que deveria.

3 – Trump pergunta sobre as investigações

Depois que Zelenski responde, os próximos comentários de Trump tratam de investigações que ele gostaria de ver.

O primeiro envolve a investigação sobre Rússia feita por Robert Mueller e outra a CrowdStrike, uma empresa de segurança na internet com sede nos EUA que analisou inicialmente a violação dos servidores do Comitê Nacional Democrata em 2016 e apontou para dois grupos de hackers que seriam vinculados à Rússia.

“Gostaria que você nos fizesse um favor, porque nosso país passou por muita coisa e a Ucrânia sabe muito sobre isso”, disse Trump, em referência a essas investigações. “Tudo o que você puder fazer, é muito importante que você faça se for possível”, diz Trump sobre a CrowdStrike.

Depois o presidente completa: “A outra coisa: fala-se muito sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a investigação e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então o que puder (descobrir) com o procurador-geral seria ótimo… Parece horrível para mim.”

A forma como Trump fala sobre essas questões e seus comentários sobre como os EUA foram “muito, muito bons” para a Ucrânia tornam a conversa anda mais sugestiva.

 

 

4 – Uma ameaça explícita não seria a única violação

Muito se falou sobre se Trump ofereceu uma troca explícita de favores com a Ucrânia. E essa é uma pergunta importante, tanto porque autor da denúncia anônima contra o presidente alegou que houve algum tipo de “promessa” quanto porque pode ser especialmente prejudicial para Trump.

Mas mesmo sem falar explicitamente em uma contrapartida, o diálogo é grave. Trump pediu algo que pode ser interpretado como uma ajuda estrangeira para sua campanha de reeleição em 2020.

Trump também reteve quase US$ 400 milhões em ajuda à Ucrânia pouco antes da ligação telefônica. Os Estados Unidos estão em uma posição de poder em relação à Ucrânia devido a essa ajuda. E na ligação, Trump pede repetidamente à Ucrânia para fazer coisas específicas.

É difícil imaginar que Zelenski poderia interpretar esse conjunto de circunstâncias de forma que não fosse uma forte sugestão e até uma ameaça velada.

Mas não será surpreendente se nunca for descoberto um pedido explícito de contrapartida. Não é assim que Trump age, explicou Michael Cohen – seu antigo advogado – em um depoimento. Cohen disse que quando Trump está falando sobre coisas desagradáveis, ele “não dá ordens; ele fala em código”.

É difícil acreditar que Zelenski não conseguiria decodificar o possível código usado por Trump no telefonema.

 

5 – A transcrição não absolve Trump e será uma peça importante do caso

A transcrição não indica um pedido explicito de contrapartida por Trump, mas não é a absolvição que o presidente americano disse que seria.

Isso porque a denúncia anônima envolve vários eventos e não apenas uma comunicação, como disse o inspetor-geral da comunidade de inteligência, Michael Atkinson, na semana passada ao Congresso.

Este é o evento mais conhecido envolvendo Trump e Ucrânia, mas há muitas incógnitas. Ainda não se sabe quais outros eventos podem estar envolvidos, muito menos o que aconteceu neles.

O fato de Trump ter divulgado a transcrição da ligação e não da denúncia sugere que essa evidência é percebida como melhor para ele do que o resto. Também pode ser um balão de teste para ver como a ligação é recebida antes de tomar uma decisão sobre a divulgação da denúncia completa.

Também é importante lembrar que a transcrição não é uma descrição literal da conversa. É um memorando da Casa Branca feito com base nas anotações e lembranças dos funcionários da sala. Um aviso na transcrição aproximada adverte que vários fatores “podem afetar a precisão do registro, incluindo más conexões de telecomunicações e variações de sotaque”.

A defesa da Casa Branca até aqui centrou-se na ideia de que eles só queriam que a Ucrânia erradicasse a corrupção – ainda que esses casos de suposta corrupção sejam totalmente úteis a Trump.

Vale notar, no entanto, que Zelenski é o primeiro a levantar a questão da corrupção, dizendo a Trump: “Bem, sim, para dizer a verdade, estamos tentando trabalhar duro porque queríamos drenar o pântano (de corrupção) aqui em nosso país” (Zelenski curiosamente usa o a frase “drenar o pântano” de corrupção, um mantra repetido diversas vezes por Trump).

Não é de surpreender que Zelenski tenha levantado essa questão, já que a corrupção na Ucrânia é uma grande preocupação no Ocidente há anos. Mas a Casa Branca provavelmente usará isso como um argumento a favor de Trump.

7 – Comentários intrigantes sobre embaixadora dos EUA exonerada e o promotor da Ucrânia

Viktor Shokin é o procurador-geral da Ucrânia que foi demitido em 2016 graças aos esforços do então vice-presidente dos EUA Joe Biden e outros líderes ocidentais.

A equipe de Trump argumentou que isso era corrupto porque Shokin estava investigando uma empresa de energia ucraniana, a Burisma Holdings, que empregava o filho de Biden, Hunter Biden (autoridades dos EUA e da Ucrânia disseram que a investigação estava parada quando Biden ajudou a forçar Shokin a ser demitido).

Mas, apesar de o promotor ser amplamente criticado, tanto na Ucrânia quanto em outros lugares, por ser muito permissivo em relação a casos de corrupção, Trump parece estar do lado dele.

“Bom porque ouvi dizer que você tinha um promotor muito bom e ele foi demitido e isso é realmente injusto”, diz Trump no telefonema. “Muita gente está falando sobre isso, a maneira como eles demitiram seu promotor e o fato de ter algumas pessoas muito ruins envolvidas.”

Trump acrescenta depois: “Ouvi dizer que o promotor foi muito mal tratado e que ele era um promotor muito justo, com boa intenção em tudo”.

Trump também critica sua ex-embaixadora na Ucrânia, Marie Yovanovitch, que os democratas disseram ter sido exonerada pelo governo Trump em uma retaliação política. Ela foi tirada do cargo em maio, dois meses antes do previsto para retornar aos EUA.

“A ex-embaixadora dos Estados Unidos, era uma má notícia e as pessoas com quem estava lidando na Ucrânia eram más notícias, então eu só quero que você saiba disso”, diz Trump.

Zelenski diz que gostou de Trump ter sido o primeiro a avisá-lo sobre Yovanovitch antes desta ligação. Trump responde, talvez até em tom ameaçador: “Bem, ela vai passar por algumas coisas”.

 

Fonte: Estadão

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