Relatório da ONU cita esquadrões da morte e falsificação de cenas na Venezuela

As forças de segurança da Venezuela estão usando esquadrões da morte para assassinar opositores, além de falsificarem situações que deem a entender que vítimas resistiram à prisão, disse a ONU em relatório divulgado nesta quinta (4) pela chefe do Alto Comissariado para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

As mortes atribuídas a pessoas que resistiram à prisão totalizaram 5.287 em 2018 e 1.569 até 19 de maio deste ano, segundo dados do governo —mas 7.523 em 2018 e 2.124 até maio, segundo ONG local.

O documento, produzido com base em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas de violações de direitos humanos e da crise econômica do país, afirma que muitos desses casos parecem ser execuções extrajudiciais.

Familiares de 20 jovens descreveram como homens mascarados das Forças Especiais de Ação da Venezuela (Faes) chegaram às suas casas em caminhonetes pretas, sem placas, e bloquearam pontos de acesso ao redor. Os agentes estavam vestidos de preto, sem qualquer tipo de identificação, e tinham os rostos cobertos por balaclavas.

De acordo com relatos, estes “esquadrões da morte” ou “grupos de extermínio” —como eram referidos pelos entrevistados—, invadiam residências, roubavam pertences e agrediam mulheres e meninas, às vezes despindo-as à força.”Eles separavam jovens de outros membros da família antes de atirar neles”, disse o comunicado, acrescentando que os tiros eram disparados contra o tórax das vítimas.Em todos os casos, testemunhas relataram como a Faes manipularam cenas dos crimes e evidências.

Eles ‘plantariam’ armas e drogas e disparariam suas armas contra as paredes ou no ar para sugerir um confronto e mostrar que a vítima resistiu à autoridade.

Segundo o documento, os assassinatos fazem parte de uma estratégia do regime de Maduro para “neutralizar, reprimir e criminalizar adversários políticos e pessoas críticas ao governo” na última década, e especialmente a partir de 2016.

As forças de segurança da Venezuela, leais a Maduro, estão sob crescente escrutínio por detenções arbitrárias e alegações de tortura contra detentos, incluindo métodos como choque elétrico, sufocamento com sacos plásticos, espancamento, violência sexual, privação de água e comida, e exposição a temperaturas extremas.

O relatório pede o desmantelamento das Faes e a soltura de todas as pessoas privadas arbitrariamente da liberdade, entre outras medidas.

Dados do relatório da ONU

Violência

  • 14 mortes em protestos em 2018, segundo ONG, e 0 segundo o governo; 66 mortos em protestos em 2019, segundo a ONU, e 29 segundo o governo
  • 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre 2014 e 2019, a maioria em protestos, segundo a ONG Foro Penal
  • De acordo com o governo, houve 5.287 mortes por “resistência à autoridade” em 2018, mas o número é de 7.523 para a ONG Observatório Venezuelano da Violência
  • 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre janeiro de 2014 e maio de 2019; 527 em 2018 e 2.091 até maio de 2019
  • 7.523 mortes violentas registradas como “resistência à autoridade” em 2018 (5.287 segundo o governo); em 2019, até 19 de maio, 2.124 mortes nessa categoria (1.569 segundo o governo)
  • A Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) foram responsáveis pelo uso excessivo da força em manifestações desde 2014 e as Forças de Ações Especiais (Faes) foram supostamente responsáveis por numerosas execuções extrajudiciais em operações de segurança
  • Presos submetidos a torturas e tratamentos cruéis como: aplicação de choques, asfixia com sacos plásticos, simulação de afogamento, espancamentos, violência sexual, privação de água e comida, posturas forçadas e exposição a torturas extremas
  • Mulheres detidas submetidas a serem arrastadas pelos cabelos, toques inapropriados, ameaça de estupro, nudez forçada e insultos sexistas

Alimentação

  • US$ 7 por mês era o valor do salário mínimo em abril deste ano, que cobria 4.7% do custo da cesta básica.
  • 10 horas é o tempo médio diário passado em filas para obtenção de alimentos
  • Mulheres obrigadas a terem relações sexuais em troca de comida

Saúde

  • 1.557 mortes devido à falta de suprimentos em hospitais, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019
  • 40 mortos em hospitais devido aos apagões de março deste ano De 60% a 100% de escassez em remédios essenciais em quatro cidades, incluindo Caracas
  • 100% de escassez de contraceptivos em diversas cidades, o que aumenta os riscos de transmissão de HIV e outras doenças, além de gravidez na adolescência
  • 65% de aumento no número de adolescentes grávidas desde 2015 Retorno de doenças erradicadas, como sarampo e difteria

Liberdade de imprensa e internet

  • 24 pessoas detidas ou punidas em 2018 por publicações em redes sociais
  • Diminuição da velocidade de acesso à internet, devido à falta de investimentos em infraestrutura
  • Fechamento forçado pelo governo de dezenas de veículos de mídia impressa, estações de rádio e TV
  • Detenção e perseguição de jornalistas, alguns dos quais forçados a deixar o país

 

O regime Maduro respondeu ao relatório: “Há incontáveis imprecisões, erros, descontextualizações e declarações falsas em que o Alto Comissariado incorre, como resultado do uso inadequado das fontes disponíveis”.

O documento vem à tona apenas dias depois da morte do militar Rafael Acosta, que teria sido torturado pelas forças de Maduro até morrer.Acosta estava detido desde quarta (26), por supostamente participar de um plano para depor o ditador.

Ele compareceu de cadeira de rodas a uma audiência na sexta (28), na qual apresentava saúde debilitada. Seu estado seria o resultado de torturas, segundo acusações do líder opositor, Juan Guaidó, e de Waleska Perez, mulher do militar. Acosta teve a morte confirmada pelo governo venezuelano no domingo (30).

Na segunda (2), Bachelet disse estar “chocada” com a morte do militar e com o fato de que “seu tratamento na prisão pode ter sido a causa”. “Lembro às autoridades venezuelanas que elas são responsáveis pela vida e pela integridade física e psicológica de todas as pessoas privadas de liberdade”, completou.

Bachelet visitou Caracas entre 19 e 21 de junho, ocasião na qual conversou tanto com o ditador Maduro quanto com o oposicionista Guaidó, além de ter encontrado vítimas da repressão de Maduro. A diplomata defendeu a libertação de opositores detidos pelo regime.

O número chega a 800, de acordo com a ONG Foro Penal.Depois da visita, dois representantes da ONU ficaram no país, com o objetivo de monitorar a situação de direitos humanos. Cobrindo o período de janeiro de 2018 a maio de 2019, o relatório se debruça também sobre a profunda crise econômica na Venezuela, que tem privado as pessoas de comida e acesso à saúde.

Afirma que, caso a situação não melhore, “o fluxo sem precedentes de venezuelanos para fora do país vai continuar, e as condições de vida dos que ficam vão piorar”.​”O governo se negou a reconhecer a magnitude da crise até pouco e não adotou as medidas apropriadas.

Conforme se agudizava a crise econômica, as autoridades começaram a usar os programas sociais de forma discriminatória, por motivos políticos, e como instrumento de controle social”, afirma o texto.Segundo a ONU, o Estado venezuelano “está violando a sua obrigação de garantir o direito à comida e à saúde”.

Isso se traduz em menos refeições de menor valor nutritivo, altos níveis de má nutrição e pessoas esperando até dez horas em filas por comida. Algumas mulheres eram obrigadas a trocar sexo por comida.

Além disso, 1.557 pessoas morreram devido à falta de suprimentos nos hospitais entre novembro de 2018 e fevereiro deste ano. Faltam profissionais de saúde, medicamentos e energia elétrica para manter equipamentos vitais em funcionamento nas instituições de saúde.

“Sinceramente espero que as autoridades vejam com atenção toda a informação incluída neste relatório e sigam as recomendações. Devemos concordar que todos os venezuelanos merecem uma vida melhor, livre de medo e com acesso adequado à comida, água, cuidados de saúde, habitação e outras necessidades básicas humanas”, disse Bachelet.

 

Fonte: Folha de São Paulo

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