Apenas um terço dos crimes sexuais contra crianças são apurados na BA, diz promotora

Apenas um terço dos crimes sexuais contra crianças são apurados na BA, diz promotora

Em comparação com o 2019, quando o total de ocorrências semelhantes foi de 2.866, observa-se uma leve redução, no entanto, a sombra da subnotificação, sobretudo em um ano marcado por profundas mudanças ocasionadas pela pandemia, é apontada como certa por especialistas. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). 

Para além da subnotificação de registros de ocorrências, a promotora Eliana Bloizi, que atua na Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes do Ministério Público da Bahia lança luz sobre outra realidade que também vela uma realidade extremamente cruel, a dificuldade de investigação e apuração que deixa na realidade uma marca de impunidade. De acordo com Eliana, aproximadamente um terço dos registros ficam sem apuração e os motivos podem ser diversos. 

“É possível que tenha uma subnotificação de informação, até porque são crimes que ocorrem na clandestinidade. Em média, 41% dos agressores, segundo as pesquisas, são padrastos, pais ou outros membros da família e que estão dentro de casa. São crimes difíceis de apurar exatamente por conta da clandestinidade e da falta de testemunha. E pior de tudo, são aqueles chamados crimes que ‘levam a responsabilidade’ para a própria vítima, nesse caso, crianças e adolescentes com a personalidade em formação”. 

A promotora avalia que as crianças e adolescentes em condição de violência temem a repercussão que uma revelação das agressões pode impor ao ambiente familiar e social, pois, podem ocasionar a prisão dos agressores, com os quais a vítima possui vínculo familiar/afetivo, ou o medo da reação em ambientes de convivência, como a escola, por exemplo. 

Entre janeiro e junho de 2020, o total de ocorrências registradas era 771, número também inferior a igual período de 2019, quando haviam sido registradas 1.054 ocorrências em delegacias. Na ocasião, o Bahia Notícias conversou com a defensora pública que atua na Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria da Bahia, Laíssa Rocha, que também alertou para as subnotificações. 

“É muito provável que haja subnotificação. A gente está em um momento de isolamento social e suspensão das aulas, então essas crianças e adolescentes estão confinadas em seus lares e junto com seus possíveis agressores. Pelo que a gente sabe, e isso é estatística, que as violências contra crianças e adolescentes são praticadas por pessoas muito próximas e familiares. Fora isso, a escola é uma importante fonte de denúncia. Muitos casos vem à tona na escola” (reveja). 

De acordo com Eliana Bloizi, é muito alto o número de denúncias e estas também chegam ao poder público por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e do Disque 100. Novamente, a dificuldade de investigação e apuração dos casos se impõe como elemento dificultador, favorecendo a manutenção da cadeia de violências. Como lista Eliana, as impossibilidades para uma investigação eficaz vão desde a falta de material humano nas delegacias a arestas observadas nas próprias denúncias. 

“Dessas notificações que são feitas, iniciadas pelo Disque Denúncia, eu digo seguramente que 70% a 80% não chegam a ser apuradas porque as pessoas não são encontradas. Ou quando apuram, é um vizinho em um momento de briga, aí cria aquela situação de trote e inventa uma história. Tem ainda uma situação pior, que é quando o fato realmente ocorreu, mas até que a delegacia apure ou que chegue no Ministério Público, a própria família já resolveu mudar a história e nega tudo. São crimes muito difíceis de serem apurados”, reafirma a promotora. 

Sobre 2020 especificamente, Eliana Bloizi ressalta que um dos fatores que deixou ainda mais lenta as apurações foi o fato de muitos delegados, com idades acima de 60 anos, ou seja, parte dos grupos de risco da Covid-19, não estarem trabalhando presencialmente. Destaca também o elevado quantitativo de profissionais que solicitaram ou foram sensibilizados à aposentadoria. 

“Em alguns casos ano passado eu chamei o responsável, ouvi presencialmente lá na sede do Ministério  Público, no Centro de Apoio Operacional, tomei por termo, encaminhei denúncia sem o inquérito policial”, relembra, reforçando as dificuldades encontradas nos caminhos entre um registro de crimes sexuais contra crianças até uma eventual e necessária punição dos agressores. 

“Ainda não existem inquéritos policiais 100% digitalizados. Nós recebemos o inquérito ainda no formato físico e a digitalização é feita antes de os inquéritos irem para os promotores de justiça que atuam na área. Acaba que o trabalho é feito de uma forma muito lenta e artesanal, precária”, incrementa a promotora. 



Fonte: Bahia Notícias

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