Queda de avião pode ser momento decisivo para futuro do Irã
Após dias negando sua responsabilidade no acidente envolvendo o voo da Ukraine International Airlines, o governo iraniano admitiu, no fim de semana, que a queda da aeronave foi causada por falha humana.
O incidente ocorreu poucas horas depois de o Irã lançar mísseis contra duas bases aéreas que abrigam tropas americanas no Iraque.
Esses ataques ocorreram em resposta ao assassinato do comandante militar iraniano Qassem Soleimani, em uma operação com drone americano em Bagdá, em 3 de janeiro.
Foi em meio a essa tensão, dizem as autoridades iranianas, que um operador da Defesa Aérea do país confundiu o voo PS752 com um míssil de cruzeiro e o derrubou, matando as 176 pessoas a bordo.
Embora o Irã tenha inicialmente negado participação no incidente, agências de inteligência dos Estados Unidos e do Canadá já haviam divulgado evidências de que um míssil iraniano havia causado a tragédia. As declarações aumentaram a pressão internacional para que o governo do país persa investigasse abertamente o caso.
A decisão de Teerã de mudar seu posicionamento inicial sobre o tema e assumir a responsabilidade pela derrubada da aeronave gerou reações positivas de diversos países, incluindo as nações de origem dos passageiros a bordo — Canadá, Reino Unido, Alemanha e Suécia.
A admissão de culpa foi vista como um primeiro passo importante (e positivo).
Autoridades desses países, entretanto, também afirmaram que o movimento deveria ser seguido por um comportamento construtivo vindo do Irã. Isso significaria, provavelmente, a busca por uma investigação transparente, pela repatriação dos corpos e por uma compensação para as vítimas — assim como medidas para evitar tragédias similares no futuro.
Na frente internacional, a queda do voo PS752 não deve resultar em aumento da tensão entre os países e pode, inclusive, ter o efeito contrário: o de aliviá-la.
No cenário doméstico, porém, o acidente pode ter repercussões muito mais profundas.
Dias antes da tragédia, o Irã demonstrou um nível de unidade e apoio popular sem precedentes quando milhões de pessoas encheram as ruas do país para participar de cortejos fúnebres em homenagem a Soleimani.
As manifestações pareciam indicar que, diante de ameaças militares externas, iranianos de diferentes grupos econômicos e políticos têm a capacidade de se unir e deixar as diferenças de lado.
Mas a queda do avião e as subsequentes negativas das autoridades podem levar ao ressurgimento dessas divisões, tornando-as ainda mais profundas.
Enquanto a admissão de culpa pode aliviar parte das críticas sobre a maneira como o assunto foi conduzido, as atitudes do governo ainda podem ser vistas como uma tentativa de esconder evidências e evitar a responsabilidade pelo acidente.
Se isso acontecer, é provável que voltem a aparecer as divisões e a instabilidade surgidas após o anúncio, pelas autoridades iranianas, de um acentuado aumento no preço dos combustíveis em novembro. O anúncio provocou grandes manifestações pelo país que resultaram em confrontos com órgãos de segurança e a morte de pelo menos 300 pessoas.
Mesmo que admitir a verdade seja um primeiro passo importante, o povo iraniano ainda demandará a responsabilização e o indiciamento dos responsáveis pela tragédia, além da adoção de medidas para que isso não aconteça novamente.
No fim de semana, centenas de manifestantes saíram às ruas na capital iraniana, Teerã, para protestar contra a reação do governo ao incidente — parte cobrou a saída do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.
A população também estará de olho em como as vítimas do acidente são tratadas pela elite iraniana. Um teste importante, nesse caso, será se os seus funerais causarão comoção nacional, como foi o caso com Soleimani, ou se serão amplamente ignorados.
Todas essas demandas se juntarão às queixas sobre o estado da economia e as limitações sociais impostas pelo governo.
O país persa terá eleições parlamentares em pouco mais de um mês, e a discórdia interna sobre o acidente pode levar a mais distúrbios. Além disso, a tensão com o Ocidente pode ter sido aliviada, mas está longe de terminar.
A maneira como as autoridades vão lidar com as repercussões mais amplas deste acidente aéreo pode ser decisiva para o Irã. As escolhas feitas agora devem reverberar na política e na sociedade iranianas por meses e, até mesmo, anos.
*Aniseh Bassiri Tabrizi é pesquisadora do centro de estudos de defesa e segurança britânico Royal United Services Institute (Rusi). Ela é especialista em segurança no Oriente Médio, com foco nas políticas doméstica e externa do Irã.
Fonte: G1